Livros, revistas, coleções, workshops, prêmios... crônica jornalística está em alta no continente
Quem procura histórias, mas não quer se esquecer da realidade,
encontra na América Latina uma literatura potente, cara à mente e ao coração: a
crônica jornalística. Não é de agora que o chamado jornalismo narrativo (ou
literário, como preferir) vibra nas letras de grandes autores
latino-americanos. Hoje, no entanto, fala-se hoje de um “boom” da crônica de
não-ficção no continente.
E as evidências não são poucas. Nos últimos anos,
proliferaram as revistas, as coleções, os workshops e os prêmios voltados ao
gênero.
Falando das primeiras, é de chamar a atenção que
certa escassez na oferta cultural de muitos países da região não afete a variedade
de títulos dedicados às crônicas da vida. Temos, sem pretensão de uma lista
definitiva: Gatopardo (México, América Central e países
andinos), Etiqueta
Negra (Peru), The Clinic e Paula (Chile), Elmalpensante e Soho (Colômbia), Pie izquierdo (Bolívia), Marcapasos(Venezuela) e, ufa, Piauí, no Brasil.
Se a lista de publicações é extensa e crescente, a
de autores anima muito mais. Eles podem ser veteranos, como o argentino Martín
Caparrós, o nicaraguense Sergio Ramírez, o mexicano Juan Villoro, o colombiano
Héctor Abad Faciolince e o porto-riquenho Hector Feliciano. Ou então dar corpo
a uma safra de novas vozes, na qual se destacam os peruanos Julio Villanueva
Chang, Daniel Alarcón, Daniel Titinger, Gabriela Weiner e Toño Angulo. Todos
eles alçados à “fama” graças ao sucesso de Etiqueta Negra, revista editada em
Lima na qual já publicaram seus textos escritores tão respeitados como Jon Lee
Anderson, Alma Guillermoprieto, Francisco Goldman e Susan Orleans, habituais da
bíblia do jornalismo narrativo, The New
Yorker.
Garcia Marquez, que acaba de completar 85 anos, continua sendo expoente da crônica jornalística latino-americana
Por sinal, costuma-se dizer que vem do norte a
semente inspiradora dos cronistas latinos, o que não é verdade. Antes de
surgirem nos Estados Unidos os cânones da narrativa jornalística típica da New Yorker, lá pelos anos 1960, aqui na terrinha se
arriscaram nessa arte figuras como o argentino Rodolfo Walsh e o colombiano
Gabriel García Márquez. Era a década de 50 quando Walsh lançou “Operación
masacre”, livro-testemunho que revela a trama oculta de uma série de massacres
de militantes políticos, civis e militares nos lixões de José León Suárez, zona
norte da Grande Buenos Aires, em 1956.
García Márquez – que em 1955 publicou a reportagem
literária “Relato de un náufrago”, baseada em entrevistas com o único
sobrevivente do naufrágio do navio A.R.C. Caldas – afirmou certa vez que o
nosso continente se fez por suas crônicas. Para o ganhador do Nobel, nos
relatos dos cronistas de Índias já se assomavam os germes do chamado realismo
mágico e do estilo latino-americano de contar histórias descrevendo a vida
cotidiana.
Jornalismo
com alma
Mas o que é, finalmente, a crônica jornalística? “Um
conto que é verdade”, explicou García Márquez. Para Martín Caparrós, ela
resulta de certo jornalismo abrigado pela literatura e que é muito mais
instigante do que o tradicional, “porque cria uma cultura e não fala de uma que
já existe”. Se for realmente boa, uma crônica não inventa ou celebra o
surpreendente, mas trata de descobri-lo, fazendo com que o leitor se interesse
por algo que em princípio não lhe preocupava nem um pouco.
A
febre atual
Quem quiser ficar em dia com o novo ímpeto da
crônica jornalística latino-americana encontra em duas publicações recentes uma
saborosa compilação de crônicas – e também de textos sobre a arte de
escrevê-las.
A primeira é a “Antología de la crónica
latino-americana actual”, organizada por Darío Jaramillo Agudelo e lançado pela
editora Alfaguara. Depois tem “Mejor que ficción. Crónicas ejemplares”, a cargo
de Jorge Carrión, pela editora Anagrama. Por enquanto, tudo em espanhol e para
ser encomendado de fora, é verdade, mas nada que um leitor em busca de uma boa
leitura não assimile com prazer.
Quem sabe, no futuro, editoras (daqui, de lá) não se
esforcem mais para encarar novas compilações que misturem autores brasileiros e
hispânicos. Afinal, por aqui essa febre encontra eco também – e latinos com
capacidade de assombro diante da nossa mágica realidade somos todos nós.
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