quarta-feira, 6 de junho de 2012

Brisa soprou no QUADRO do Bataclan


Em sua quarta edição do projeto de música instrumental, OQUADRO convidou os ventos da voz de Brisa Azis, da banda Manzuá, para mesclar ritmo e balanço aos arranjos mui agradabilíssimos na noite do Bataclan, em Ilhéus, 06/08/2011. Em meio a toda essa sonoridade, sentidos evidentes de uma efervescência cultural e muita vontade artística se revelaram no tempo em que nosso bate papo foi se desenhando. Acompanhe comigo nesta narrativa, a partir dos seus sentidos lúdicos, leitor, o desenrolar dessas histórias que somam música, poesia, arte e espontaneidade.

Quando me acheguei o show já havia começado. A casa estava cheia, com uma atmosfera de música artesanal e sofisticação. O Bataclan, desta vez, me soou mais familiar, como quem chega em um ambiente e se sente logo a vontade. Talvez a companhia de primos e amigos exerceu influência nisso, ou da recepção de Néia Dendê, assim como de outras moças que assessoravam atenciosamente o atendimento do restaurante. Mas algo inquietante me tomava por dentro, uma ansiedade de sentar logo e começar a respirar os dedilhados, o timbre, os tambôs, os pratos da bateria. Eles estavam muito bem, dessa vez eu observava a comunicação muda, os olhares, de como as notas iam mudando, variando com o clima do ambiente, e o som brotando, saindo. “É tudo improvisado, não tem nada ensaiado. O que a galera ouve é música que nasceu agora e morreu, que ninguém vai lembrar depois, e tem uma vida útil aí a rolar”, explica Ricô Barreto, integrante do Coletivo Prumo e baixista da banda, sobre a espontaneidade com que surge o som deles.
De repente, a força de uma brisa intercepta o enredo sonoro, com seu tom imponente, sua voz de dentro da alma pra fora, e a docilidade ao mesmo tempo, e o talento, evidente. Brisa Azis, da banda Manzuá, de Itabuna, veio para nossos ares marítimos com muita serenidade, como quem o vento manda cantar. E nesse balanço, do ar, do mar, canções como “One Drop” e “Rebel Music” de Bob Marley, “Baú” e “Vermelho” de Vanessa da Mata, entre outras, intercalaram com as investidas instrumentais dos meninos d’OQUADRO.
De abrupto, já conectada com o balanço do barco, fui impelida por minha prima Lorena, como quem me chama de volta pra o contexto da mesa:
- Prima, muito boa a sua indicação para a noite de hoje viu?!
Consentindo, balancei a cabeça sorrindo. Eu sabia que não precisávamos ir muito longe para desfrutar de boa música e momentos culturais, ter que ir para acontecimentos em Salvador, para os festivais de Vitória da Conquista ou viajar para o Rock in Rio. Tudo bem que esses contextos oferecem ocasiões ampliadas e em perspectivas diversas, mas nossa terra tem seus frutos, que nem feijão brota do pé! Quando vai ver, quão grande é o feijoeiro! E feijão de boa qualidade, para vários pratos diferentes. Há quem aprecie uma boa feijoada! É o sabor, o tempero, a baianidade, a poesia, é a arte. Precisamos de mais gastrônomos para servir mais os nossos bons pratos. E como esse paladar cultural está sendo estimulante e crescente, e nunca nego repetir a refeição, pedimos sempre bis.
O projeto – OQUADRO Instrumental + Coletivo PRUMO
É nessa direção que caminha o projeto OQUADRO Instrumental, que foi acolhido junto a parcerias entre a banda, Coletivo Prumo e o sócio-proprietário do Bataclan, Paulinho Martins. “Ele apostou e tem uma parceria longa mesmo. Todo mês vai rolar OQUADRO instrumental convidando alguém... A própria banda está se entrosando legal”, afirma Ricô Barreto. Nestes quatro meses de atuação, o projeto se iniciou com apresentações instrumentais e em seguida OQUADRO convidou artistas como Fabrício Vasconcelos, da banda Quizila, e nesta noite prossegue enriquecendo cada vez mais esse processo cultural que está se expandindo.
A atuação da cantora Brisa Azis veio numa troca muito boa com OQUADRO instrumental, em que o encontro nesta noite, pode assim ser traduzido: “Gostosa, divertida. Eu acho legal a necessidade que as pessoas estão tendo de se profissionalizar. Não é se enquadrar. Assim, você não vai deixar de fazer o som que você gosta porque ‘eu prefiro fazer uma música que venda’. É mais do que isso né, você faz porque gosta e ponto”, afirma a cantora. Para ela, a mudança de mentalidade das pessoas sobre o olhar sobre a cultura, e como se trabalha com isso, vai ser decisiva no processo. Ricô Barreto concorda, “está melhorando, a galera está se ligando nessa história de políticas públicas, através de editais, capitação de recursos para realizar projetos de maneira digna, de maneira real”.
A banda OQUADRO vem nessa linha há três anos através do Coletivo Prumo, uma produtora cultural de Ilhéus que tem parceria com o terreiro Matamba Tombenci Neto, artistas, ONG Libélula de Itacaré, Casa dos Artistas, entre outros, buscando captação de recursos para a realização de projetos culturais como esse.
A noite se desenrolara bem, e entre o sabor de Heineken’s, amigos e casualidades. A prosa super enriquecedora com a vocal Brisa Azis e o baterista e compositor Mither Amorim, da banda Manzuá, ambos poetas, mostra como a poesia flui em todos os lugares e como ela é fundamental no processo criativo, nesse caso, musicalmente falando.
“No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá, onde a criança diz:
eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
Funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta,
que é a voz
De fazer nascimentos -
O verbo tem que pegar delírio”.
De Manoel de Barros no livro “Compêndio para uso dos pássaros”.

Manzuá – desvelando sentidos

Assim como Manoel de Barros entende que “o verbo tem que pegar delírio”, Mither Amorim absorve esta citação para dizer que “a música tem que pegar o delírio. A poesia transita”, explica, tentando encontrar uma forma de traduzir o som que a banda Manzuá faz. Para ele, “a música tem que pegar o delírio, seja ela de que ritmo for, de que gênero for. É o fio da meada. A música tem que ser poesia”. Há três anos a banda vem atuando crescentemente, e sendo conhecida cada vez mais por um público maior e seleto, aquele que sabe do valor e da satisfação de ouvir e vivenciar bons sons.



No último mês, o grupo foi premiado com a música “Insurreição”, até então inédita, no VI Festival Multiarte Firmino Rocha, em Itabuna, na categoria melhor banda. Longe de reducionismos, para bem longe dos enquadramentos dos rótulos e determinações, de caracterização do som que exercem, a banda grapiúna vem produzindo uma música independente entre amigos, família e amor ao que faz, tendo se originado nessa forma. Flutuam em sentidos que mesclam entre o ijexá, o maracatu, blues, reggae, queto, funk, samba-rock, rock, música eletrônica, e arranjos híbridos que somam diversas influências, ao mesmo tempo em que produzem unitariamente numa linha própria desde 2008.
“Vamos sintetizar na arte o que a gente gosta, o que a gente vive, respira, que nos alimenta. A gente se alimenta de música, a gente gosta de som, a gente não é purista, não”, explica Brisa Azis, mostrando também como a influência e a afinidade musical dos demais integrantes da banda - que soma-se também à guitarra de João Solari, o baixo de Marcelo Weber e à voz de Laísa Eça – vão ser decisivas no processo de composição, que geralmente parte da poesia de Mither Amorim, dos arranjos e linhas de baixo que se seguem. A inserção da música eletrônica chega na Manuzá com as experimentações do Dj Danley Dantas, com as nuances das suas inovações variáveis sutis.  
“Mas é aquela coisa, querendo ou não, a gente é música, a gente gosta de música. Então a gente vai pelo o que a música pede. Por exemplo, como é que se dá a escolha dos poemas? Altamente instintivo. A gente está fazendo um som aqui, está ensaiando, e dá aquela vontade de falar... Por que eu particularmente gosto de poesia, Mither também escreve umas coisas bem bacanas, e a gente está aqui na internet lendo poesia, ‘ô que poema lindo, que delícia, que beleza, guarda ali’, daqui a pouco aí tô ali no meio do som, a vontade de dizer, aquilo vai lhe tomando né?, toma a gente mesmo, e a vontade de verbalizar aquilo sai”, reflete a cantora.
Exercer a arte tem sido como voltar à infância, como se a vida adulta pudesse ser vivenciada por momentos em que você volta a uma vida infantil, no sentido de prazeroso da palavra. “Me divirto falar: ‘Vai ter ensaio? Obaaa!’, parece criança, parece assim, ‘a fora é minha, no baba’, ‘vai rolar o baba’, é o meu baba.  Música, fazer som, é o meu baba. E eu gosto, eu gosto de verdade. Vou estar coroa fazendo o som”, entre risadas desponta Azis. Amorim completa, “é ‘distraído venceremos’”.

O entusiasmo artístico não esmorece mesmo frente aos reduzidos espaços de apresentação, que insistentemente ainda permanecem escassos para a rotatividade musical que muitas bandas regionais poderiam estar explorando. “A verdade é que a gente está sem casa em Itabuna, a gente não tem lugar para tocar na nossa cidade”, sente a cantora.
Para Mither Amorim, talvez o que falta é comprometimento das pessoas que têm condições, a algum tempo, de abrir espaços para os artistas e produtores culturais daqui. “Quer dizer, não é por que não sabe, a gente está dialogando sempre, a gente está sempre nas ruas... É uma região em que as pessoas se vêem, não é uma megalópole e nem é isolado. Então a gente está sabendo que está rolando, mas está faltando o comprometimento de chegar junto. Eu sinto muito a falta dessas pessoas chegarem, ‘vamos fazer, pra gente crescer a região mais e mais’”.

Embora diante de desafios, em que é só uma questão de tempo para serem vencidos, Brisa Azis encerra otimista a sua fala: “Graças a Deus as coisas estão caminhando de uma maneira legal pra quem gosta e quem quer fazer cultura no sul da Bahia”. Então agora eu comecei a compreender porque a familiaridade já se fazia presente desde o início, num contexto agradável, é nesse sentido de querer fazer, querer ser, não estamos sozinhos... É mesmo como disse um amigo que filmou a entrevista, irmão, Thassio Vinícius, “Carranco” para os chegados: “O que precisamos é fazer as coisas acontecerem”. Faço de suas palavras, as minhas, menino! Agora é só dar o play e ir! Já foi!





















Créditos

Filmagem - Thassio Vinicios
Fotos das Entrevistas - Lorena Vieira
Fotos do Palco - Anna Karenina
Redação - Anna Karenina

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