Filho do sertão de Vitória da
Conquista, João Omar de Carvalho Mello, além de seus trabalhos musicais - já
experimentados por certo público conquistense, também está desenvolvendo
atividades sociais e políticas, ligadas ao âmbito cultural. João acaba por integrar
uma fusão nos seus exercícios: de um lado, a linha artística - aperfeiçoada por
sua graduação em Composição e Regência (1995), e mestrado em Regência Orquestral ,
pela Universidade Federal da Bahia, em Salvador; do outro, o exercício
sociopolítico praticado na Coordenação de Cultura da Secretaria da Prefeitura
Municipal, e do trabalho voluntário realizado na Casa do Ponto de Cultura da
cidade. Essa mescla resulta na próxima gravação de um disco, projetos culturais
com ações sociais e uma entrevista exclusiva, reflexo de um diálogo que costura
música, cultura, nostalgias, cinema e ações políticas.
A CONQUISTA - Por você ser filho
de Elomar Figueira, costuma-se fazer uma relação direta de sua profissão com o
sucesso de seu pai. Enquanto músico, como lida com isso?
João Omar - É simples. Dizem que
determinados tipos de artistas ficam à sombra dos seus pais. Costumo dizer que
fico na luz dele. Tenho influencia dele, de professores, de Vila Lobos... Não
adianta ser um intérprete se você não tem um repertório que venha condizer com
o que sente e com o que você é. Acho suas idéias muito interessantes, fortes, e
até radicais às vezes. Mas isso faz parte de sua figura, desse personagem que
ele representa para a história da cidade.Meu pai mora no fundo do sertão profundo
e não grava há 25 anos. Estou aqui no miolo da cidade, então o que faço? Não
gravar também? Não é bem assim... (risos). A questão é mais estética, de
formação. Por isso, ser filho dele, não atrapalha em nada.
A CONQUISTA- Está desenvolvendo
algum novo projeto musical a ser lançado como disco?
João Omar - Pretendo lançar o
mais breve possível um disco interpretando solos de violão de meu pai. “João
Omar interpreta obra, violão e música de Elomar”. A previsão é para o início do
ano que vem. Estou fazendo também uma pesquisa de choro, forró e samba, que é
dentro duma linguagem especificamente violonística. O nosso nordeste é a nossa
porte identidade. Ao contrário do que o universalismo urbano propõe, gosto de
trabalhar essa identidade.
Estamos com tantos projetos...
Tem o “Ares Botano”, “Os Sertões”, que é do grupo música e literatura,
“Confissões”, uma espécie de trilha sonora, relacionada a reeducação do olhar e
do ouvir... Gravar autores como Vila Lobos, autores clássicos da música
erudita, renascentista, também são outras vontades.
A CONQUISTA - Em 2007, você
lançou o Cd “Corda Bamba”, que também contou com a participação especial de
Armandinho e de composições de outros músicos. Como se deu a trajetória dessa
produção?
João Omar- Quando fiz “Os
Sertões”, uma apresentação com Elton Becker, tive que alinhar vários músicos,
finalizar arranjos e montar algumas composições minhas. Estar dirigindo e
concebendo repertório, me impulsionou a gravar um Cd com amigos, uma espécie de
cartão de visita, de forma bem espontânea, a fim de mostrar parte de um
trabalho que eu já vinha fazendo. O nome do disco, “Corda Bamba”, saiu por um
acaso, que tinha um samba sem nome. Contactei uma produtora em Salvador e
coloquei a idéia no edital da Petrobras, foi aprovada.
Nessa época eu já pensava em
gravar solos de violão de meu pai, mas preferi gravar um disco tendo eu como
músico, o meu trabalho. Acho que as pessoas rotulariam muito, eu como filho de
Elomar gravando as obras dele. Para evitar que essas rotulações viessem a
incomodar, fiz esse trabalho primeiro. Ter um disco é uma espécie de status, mas
necessário, dá visibilidade.
A CONQUISTA - Por trabalhar com
música erudita, suas canções resultam numa combinação de alguns instrumentos. O
que pensa a respeito de introduzir o elemento da voz nas músicas?
João Omar- Eu também canto.
Cantar é difícil, acho que é uma exposição muito direta e forte. Meu pai me
colocou para cantar numa faixa do disco dele que eu acho terrível. É uma
questão de prática, de sentimento e vontade também. Penso em gravar... Tem
músicas que combinam com minha voz. Componho música com letra, já musiquei
textos para peças de teatro, volta e meia, um amigo ou outro, faz uma parceria.
A CONQUISTA - Já que teve uma
formação musical diferenciada dos moldes “artísticos” da mídia, o que teria a
dizer sobre as músicas comerciais?
João Omar- As pessoas estão muito
preocupadas apenas com esse aspecto comercial, refletido em muitas das músicas
que estão aí rolando - que enganam uma grande parte da população. Eu não
considero que isso seja arte não. Com certeza não é arte, é um produto. Agora,
existe música, que é de fato uma música feita com arte, esmerada com cuidado,
com todos os qualitativos necessários para que ela seja expressão do ser
humano. Agora, enquanto é apenas a sobrevivência, apenas alguém que quer ganhar
dinheiro... Não acho que seja arte, não.
A CONQUISTA - Você não
consideraria isso como cultura popular não?
João Omar- Não. Talvez “pra
pular”. Agora, “popular”, tem que ser uma coisa muito mais autêntica para ser
considerada uma cultura popular. Porque eu acho que a cultura é de massa. E não
considero cultura popular como cultura de massa. Massificar uma coisa teria uma
conotação de desgaste dessa coisa. É como massificar a quinta sinfonia de
Beethoven. Pra mim, a cultura de massa, de massificação, é a cultura de
alienação, domínio de mercado, onde tudo é muito direcionado e meticulosamente
estudado para se ganhar dinheiro, e aí, acaba-se caindo na malha do comércio. E
isso, eu não consigo entender que seja arte.
A CONQUISTA - Conte-nos um pouco
da sua história como músico... Alguma fase da sua vida que tenha sido
importante ao ponto de ser lembrada?
João Omar- Encontros com
repentistas do nordeste foram marcantes para determinar o que a alma nordestina
me diz muito claramente, muito forte. Acho que manter contato com a cultura
deles, como Ivanildo Vila Nova, Jacinto Silva, Geraldo Amâncio, Oliveira de
Panelas, conseguiu, de uma forma espontânea, me musicalizar. O aboio dos
vaqueiros... Toda minha convivência na fazenda, nos contatos com esses cantos,
foram decisivos para minha formação.
O contato com a faculdade, quando
você entra e trabalha música universal, que não tem fronteiras, conhecendo
vários estilos; a Escola contemporânea, quando a grande revolução dos estilos,
a consciência artística, do tempo, da questão de artista e contexto, acontecem,
é chocante. Muitas pessoas não ligam pra isso, elas simplesmente vivem e
produzem, e a vida vai acontecendo...
A influencia artística é forte, e
talvez filosófica também. Porque a gente tinha em todos os domingos,
verdadeiros colóquios filosóficos, sempre ouvindo muita música erudita.
Engraçado, essa formação assim foi decisiva.
A CONQUISTA - Além de Coordenador
de Cultura aqui em Vitória da Conquista, também atua como voluntário no Ponto
de Cultura, da Casa de Cultura. Quais trabalhos você tem desenvolvido nas
coordenações?
João Omar- O papel de uma Secretaria
de Cultura é respaldar as classes artísticas, a garantir para a população,
atividades incorporadas no calendário da cidade, e permitir que várias outras
instituições realizem também suas atividades culturais. “Permitir” no sentido
de apoiar, regularizar e dar auxílio. No caso, reconhecemos os valores locais e
estruturamos formatos que possam ser potencializados para serem visíveis e
reconhecidos pela própria sociedade local. Nisso, variam os mecanismos e as
formas.
Na realidade, existem dois
projetos que estão sendo inaugurados agora. Um é o “Tom da Terça”, para
valorizar o músico local, com apresentações todas as terças-feiras na Praça
Nove de Novembro. O projeto “Fechando o Beco”, como o próprio nome já sugere,
consiste em fechar uma rua, um beco, e desenvolver várias atividades
artísticas, não priorizando apenas a música, como também atividades circenses,
teatro, literatura... Ter esse espaço de convivência e de exposição em rua de
objetos culturais, é o que estamos buscando, de modo que corresponda a uma
demanda que eu acho que ainda falta aqui na cidade.
O “Domingo por Encantos”, por
exemplo, é um projeto que atua em bairros periféricos através de arte, cultura,
programas de saúde e atividades das redes de atenção, do desenvolvimento
social. É como se fosse uma espécie de mutirão que une as secretarias para
potencializar as atividades nos bairros.
O “Por isso é que eu canto”, é um
programa de calouros que até o final do ano estará acontecendo, que de vez em
quando, revela pessoas que cantam muito bem, indo pra o âmbito profissional.
A CONQUISTA - Como tem sido o
trabalho desenvolvido do Cine Seis e Meia na Casa de Teatro Carlos Jeová? Qual
importância e que leitura você atribui ao cinema hoje na contemporaneidade,
enquanto um instrumento capaz de formar visões de mundo?
João Omar- No Cine Seis e Meia
mostramos filmes de produção nacional que estão bem fora de circulação. É um
projeto que acontece desde o início 2008 e se conduz através dos critérios de
exibição audiovisual, pelo programa “Cine + Cultura”, do Ministério da Cultura,
aqui na cidade, com entrada franca na Casa de Teatro Carlos Jeová. Tem como
objetivo a valorização do cinema nacional, que tem ganhado cada vez mais
espaço.
Por outro lado, ainda é
insuficiente, devido a confecção ser muito difícil e a formação de platéia. Sou
extremamente crítico, não tenho medo de qualquer “represália” tanto por parte
de músicos, cineastas, ou do que qualquer que seja.
O cinema vive um glamour tardio,
em termos de eventos e acontecimentos. Ele é vítima dos meios de difusão, que
não permitiram uma formação artística, partindo dos berços familiares da
televisão e das grandes redes. Esses meios não propunham, não pensam, e nem
sequer têm um compromisso nesse sentido, se não o compromisso de fato
comercial, o que acho indubitável.
O cinema contemporâneo, a meu
ver, tem produções fantásticas e magníficas, completamente desconhecidas,
enquanto que outras vivem no glamour, numa espécie de “Hollywood do terceiro
mundo”. Não gosto muito dessa idéia, e isso me incomoda em parte. Logo o cinema,
que depende de tantas pessoas para se realizar. É o mesmo que você estar com
uma orquestra gigantesca e o mérito ficar somente na figura do maestro.
A CONQUISTA - Como avalia os
artistas locais e de que forma enxerga as produções culturais daqui de Vitória
da Conquista?
João Omar- Temos pessoas com um
nível que pode estar exportando para outros lugares. Artistas plásticos que
podem participar de salões tanto estaduais, quanto nacionais. Acho que temos
músicos muito habilidosos, que podem representar mesmo a cultura local, com o
próprio trabalho.
Temos algumas expressões que
estão se destacando. No bairro Brasil, por exemplo, existem inúmero grupos musicais,
na maioria de hiphop. Queremos valorizar esses artistas, fazendo com que eles
integrem mais as atividades. Ou seja, incluir pessoas que queiram fazer um
trabalho com compromisso.
Existem inúmeras carências em
relação a espaço e infra-estrutura, que precisa de condições mínimas de
capacitação técnica para o desenvolvimento de eventos. Falta desenvolver mais
nesse sentido estrutural.
Mas, temos que reconhecer que na
cidade a cultura acontece. Realmente é importante dar uma visibilidade à isso
para que as pessoas possam reconhecer e participar mais. Temos a Mostra de
Cinema em outubro, O Festival de Música da Uesb, o aniversário da cidade, Natal
da Cidade, Conquista Criança...
A CONQUISTA - Em sua opinião, de que forma as produções
culturais poderão ser vislumbradas daqui a certo tempo?
João Omar- O que de mais
interessante acho que está acontecendo no Brasil, e que é refletido nos
municípios, é o Sistema Nacional de Cultura. Ele visa uma organização alinhada
de todas as cidades do país para relações e comunicação rápidas e claras, com
um fluxo de distribuição de verbas lúcido e mais democrático. Essa parte
política, com a centralização dos recursos, ajudará no primeiro encontro de
Pontos de Cultura Teia de Vitória da Conquista, a fim de mobilizar e
conscientizar as pessoas para o entendimento dessas políticas. Por meio das
verbas locais, poderemos desenvolver editais de audiovisual, literatura, artes
cênicas, artes plásticas etc. Vai haver uma mudança substancial, acho que
talvez a grande novidade. É mais importante do que ficarmos procurando criar
eventos. Queremos potencializar as pessoas para que elas desenvolvam seus
próprios trabalhos e criem seus próprios eventos.
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