sexta-feira, 8 de junho de 2012

Entrevista com João Omar de Carvalho Mello


Filho do sertão de Vitória da Conquista, João Omar de Carvalho Mello, além de seus trabalhos musicais - já experimentados por certo público conquistense, também está desenvolvendo atividades sociais e políticas, ligadas ao âmbito cultural. João acaba por integrar uma fusão nos seus exercícios: de um lado, a linha artística - aperfeiçoada por sua graduação em Composição e Regência (1995), e mestrado em Regência Orquestral, pela Universidade Federal da Bahia, em Salvador; do outro, o exercício sociopolítico praticado na Coordenação de Cultura da Secretaria da Prefeitura Municipal, e do trabalho voluntário realizado na Casa do Ponto de Cultura da cidade. Essa mescla resulta na próxima gravação de um disco, projetos culturais com ações sociais e uma entrevista exclusiva, reflexo de um diálogo que costura música, cultura, nostalgias, cinema e ações políticas.

 
A CONQUISTA - Por você ser filho de Elomar Figueira, costuma-se fazer uma relação direta de sua profissão com o sucesso de seu pai. Enquanto músico, como lida com isso?

João Omar - É simples. Dizem que determinados tipos de artistas ficam à sombra dos seus pais. Costumo dizer que fico na luz dele. Tenho influencia dele, de professores, de Vila Lobos... Não adianta ser um intérprete se você não tem um repertório que venha condizer com o que sente e com o que você é. Acho suas idéias muito interessantes, fortes, e até radicais às vezes. Mas isso faz parte de sua figura, desse personagem que ele representa para a história da cidade.Meu pai mora no fundo do sertão profundo e não grava há 25 anos. Estou aqui no miolo da cidade, então o que faço? Não gravar também? Não é bem assim... (risos). A questão é mais estética, de formação. Por isso, ser filho dele, não atrapalha em nada.

A CONQUISTA- Está desenvolvendo algum novo projeto musical a ser lançado como disco?

João Omar - Pretendo lançar o mais breve possível um disco interpretando solos de violão de meu pai. “João Omar interpreta obra, violão e música de Elomar”. A previsão é para o início do ano que vem. Estou fazendo também uma pesquisa de choro, forró e samba, que é dentro duma linguagem especificamente violonística. O nosso nordeste é a nossa porte identidade. Ao contrário do que o universalismo urbano propõe, gosto de trabalhar essa identidade.
Estamos com tantos projetos... Tem o “Ares Botano”, “Os Sertões”, que é do grupo música e literatura, “Confissões”, uma espécie de trilha sonora, relacionada a reeducação do olhar e do ouvir... Gravar autores como Vila Lobos, autores clássicos da música erudita, renascentista, também são outras vontades.

A CONQUISTA - Em 2007, você lançou o Cd “Corda Bamba”, que também contou com a participação especial de Armandinho e de composições de outros músicos. Como se deu a trajetória dessa produção?

João Omar- Quando fiz “Os Sertões”, uma apresentação com Elton Becker, tive que alinhar vários músicos, finalizar arranjos e montar algumas composições minhas. Estar dirigindo e concebendo repertório, me impulsionou a gravar um Cd com amigos, uma espécie de cartão de visita, de forma bem espontânea, a fim de mostrar parte de um trabalho que eu já vinha fazendo. O nome do disco, “Corda Bamba”, saiu por um acaso, que tinha um samba sem nome. Contactei uma produtora em Salvador e coloquei a idéia no edital da Petrobras, foi aprovada.
Nessa época eu já pensava em gravar solos de violão de meu pai, mas preferi gravar um disco tendo eu como músico, o meu trabalho. Acho que as pessoas rotulariam muito, eu como filho de Elomar gravando as obras dele. Para evitar que essas rotulações viessem a incomodar, fiz esse trabalho primeiro. Ter um disco é uma espécie de status, mas necessário, dá visibilidade.

A CONQUISTA - Por trabalhar com música erudita, suas canções resultam numa combinação de alguns instrumentos. O que pensa a respeito de introduzir o elemento da voz nas músicas?

João Omar- Eu também canto. Cantar é difícil, acho que é uma exposição muito direta e forte. Meu pai me colocou para cantar numa faixa do disco dele que eu acho terrível. É uma questão de prática, de sentimento e vontade também. Penso em gravar... Tem músicas que combinam com minha voz. Componho música com letra, já musiquei textos para peças de teatro, volta e meia, um amigo ou outro, faz uma parceria.

A CONQUISTA - Já que teve uma formação musical diferenciada dos moldes “artísticos” da mídia, o que teria a dizer sobre as músicas comerciais?

João Omar- As pessoas estão muito preocupadas apenas com esse aspecto comercial, refletido em muitas das músicas que estão aí rolando - que enganam uma grande parte da população. Eu não considero que isso seja arte não. Com certeza não é arte, é um produto. Agora, existe música, que é de fato uma música feita com arte, esmerada com cuidado, com todos os qualitativos necessários para que ela seja expressão do ser humano. Agora, enquanto é apenas a sobrevivência, apenas alguém que quer ganhar dinheiro... Não acho que seja arte, não.

A CONQUISTA - Você não consideraria isso como cultura popular não?

João Omar- Não. Talvez “pra pular”. Agora, “popular”, tem que ser uma coisa muito mais autêntica para ser considerada uma cultura popular. Porque eu acho que a cultura é de massa. E não considero cultura popular como cultura de massa. Massificar uma coisa teria uma conotação de desgaste dessa coisa. É como massificar a quinta sinfonia de Beethoven. Pra mim, a cultura de massa, de massificação, é a cultura de alienação, domínio de mercado, onde tudo é muito direcionado e meticulosamente estudado para se ganhar dinheiro, e aí, acaba-se caindo na malha do comércio. E isso, eu não consigo entender que seja arte.

A CONQUISTA - Conte-nos um pouco da sua história como músico... Alguma fase da sua vida que tenha sido importante ao ponto de ser lembrada?

João Omar- Encontros com repentistas do nordeste foram marcantes para determinar o que a alma nordestina me diz muito claramente, muito forte. Acho que manter contato com a cultura deles, como Ivanildo Vila Nova, Jacinto Silva, Geraldo Amâncio, Oliveira de Panelas, conseguiu, de uma forma espontânea, me musicalizar. O aboio dos vaqueiros... Toda minha convivência na fazenda, nos contatos com esses cantos, foram decisivos para minha formação.
O contato com a faculdade, quando você entra e trabalha música universal, que não tem fronteiras, conhecendo vários estilos; a Escola contemporânea, quando a grande revolução dos estilos, a consciência artística, do tempo, da questão de artista e contexto, acontecem, é chocante. Muitas pessoas não ligam pra isso, elas simplesmente vivem e produzem, e a vida vai acontecendo...
A influencia artística é forte, e talvez filosófica também. Porque a gente tinha em todos os domingos, verdadeiros colóquios filosóficos, sempre ouvindo muita música erudita. Engraçado, essa formação assim foi decisiva.

A CONQUISTA - Além de Coordenador de Cultura aqui em Vitória da Conquista, também atua como voluntário no Ponto de Cultura, da Casa de Cultura. Quais trabalhos você tem desenvolvido nas coordenações?

João Omar- O papel de uma Secretaria de Cultura é respaldar as classes artísticas, a garantir para a população, atividades incorporadas no calendário da cidade, e permitir que várias outras instituições realizem também suas atividades culturais. “Permitir” no sentido de apoiar, regularizar e dar auxílio. No caso, reconhecemos os valores locais e estruturamos formatos que possam ser potencializados para serem visíveis e reconhecidos pela própria sociedade local. Nisso, variam os mecanismos e as formas.
Na realidade, existem dois projetos que estão sendo inaugurados agora. Um é o “Tom da Terça”, para valorizar o músico local, com apresentações todas as terças-feiras na Praça Nove de Novembro. O projeto “Fechando o Beco”, como o próprio nome já sugere, consiste em fechar uma rua, um beco, e desenvolver várias atividades artísticas, não priorizando apenas a música, como também atividades circenses, teatro, literatura... Ter esse espaço de convivência e de exposição em rua de objetos culturais, é o que estamos buscando, de modo que corresponda a uma demanda que eu acho que ainda falta aqui na cidade.
O “Domingo por Encantos”, por exemplo, é um projeto que atua em bairros periféricos através de arte, cultura, programas de saúde e atividades das redes de atenção, do desenvolvimento social. É como se fosse uma espécie de mutirão que une as secretarias para potencializar as atividades nos bairros.
O “Por isso é que eu canto”, é um programa de calouros que até o final do ano estará acontecendo, que de vez em quando, revela pessoas que cantam muito bem, indo pra o âmbito profissional.

A CONQUISTA - Como tem sido o trabalho desenvolvido do Cine Seis e Meia na Casa de Teatro Carlos Jeová? Qual importância e que leitura você atribui ao cinema hoje na contemporaneidade, enquanto um instrumento capaz de formar visões de mundo?

João Omar- No Cine Seis e Meia mostramos filmes de produção nacional que estão bem fora de circulação. É um projeto que acontece desde o início 2008 e se conduz através dos critérios de exibição audiovisual, pelo programa “Cine + Cultura”, do Ministério da Cultura, aqui na cidade, com entrada franca na Casa de Teatro Carlos Jeová. Tem como objetivo a valorização do cinema nacional, que tem ganhado cada vez mais espaço.
Por outro lado, ainda é insuficiente, devido a confecção ser muito difícil e a formação de platéia. Sou extremamente crítico, não tenho medo de qualquer “represália” tanto por parte de músicos, cineastas, ou do que qualquer que seja.
O cinema vive um glamour tardio, em termos de eventos e acontecimentos. Ele é vítima dos meios de difusão, que não permitiram uma formação artística, partindo dos berços familiares da televisão e das grandes redes. Esses meios não propunham, não pensam, e nem sequer têm um compromisso nesse sentido, se não o compromisso de fato comercial, o que acho indubitável.
O cinema contemporâneo, a meu ver, tem produções fantásticas e magníficas, completamente desconhecidas, enquanto que outras vivem no glamour, numa espécie de “Hollywood do terceiro mundo”. Não gosto muito dessa idéia, e isso me incomoda em parte. Logo o cinema, que depende de tantas pessoas para se realizar. É o mesmo que você estar com uma orquestra gigantesca e o mérito ficar somente na figura do maestro.

A CONQUISTA - Como avalia os artistas locais e de que forma enxerga as produções culturais daqui de Vitória da Conquista?

João Omar- Temos pessoas com um nível que pode estar exportando para outros lugares. Artistas plásticos que podem participar de salões tanto estaduais, quanto nacionais. Acho que temos músicos muito habilidosos, que podem representar mesmo a cultura local, com o próprio trabalho.
Temos algumas expressões que estão se destacando. No bairro Brasil, por exemplo, existem inúmero grupos musicais, na maioria de hiphop. Queremos valorizar esses artistas, fazendo com que eles integrem mais as atividades. Ou seja, incluir pessoas que queiram fazer um trabalho com compromisso.
Existem inúmeras carências em relação a espaço e infra-estrutura, que precisa de condições mínimas de capacitação técnica para o desenvolvimento de eventos. Falta desenvolver mais nesse sentido estrutural.
Mas, temos que reconhecer que na cidade a cultura acontece. Realmente é importante dar uma visibilidade à isso para que as pessoas possam reconhecer e participar mais. Temos a Mostra de Cinema em outubro, O Festival de Música da Uesb, o aniversário da cidade, Natal da Cidade, Conquista Criança...

A CONQUISTA -  Em sua opinião, de que forma as produções culturais poderão ser vislumbradas daqui a certo tempo?

João Omar- O que de mais interessante acho que está acontecendo no Brasil, e que é refletido nos municípios, é o Sistema Nacional de Cultura. Ele visa uma organização alinhada de todas as cidades do país para relações e comunicação rápidas e claras, com um fluxo de distribuição de verbas lúcido e mais democrático. Essa parte política, com a centralização dos recursos, ajudará no primeiro encontro de Pontos de Cultura Teia de Vitória da Conquista, a fim de mobilizar e conscientizar as pessoas para o entendimento dessas políticas. Por meio das verbas locais, poderemos desenvolver editais de audiovisual, literatura, artes cênicas, artes plásticas etc. Vai haver uma mudança substancial, acho que talvez a grande novidade. É mais importante do que ficarmos procurando criar eventos. Queremos potencializar as pessoas para que elas desenvolvam seus próprios trabalhos e criem seus próprios eventos.

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